Vou embora

Diogo Mainardi – Vou embora

Publicado na Veja: 6 de julho de 2008

 

Uma senhora me abordou na rua. Eu sou muito abordado em Ipanema. Ninguém aqui engole o Lula. Por isso me abordam. Para falar mal dele. O tempo todo. Com as piores ofensas. É meio aborrecido para mim. Estou enjoado do Lula. Quero me desatrelar dele. Quero parar de comentar suas asneiras. Mas agora é tarde. Lula sou eu. Lula c'est moi.

Curiosamente, não foi para falar mal do Lula que aquela senhora me abordou na rua. Foi para falar mal de mim. Ela queria que eu arrumasse as malas e fosse embora do Brasil. Para sempre. Eu e meus descendentes. Porque o Brasil, segundo ela, não é um lugar para quem não gosta do Brasil. Dei-lhe uma resposta educada e segui adiante. Quando cheguei em casa, me deitei no sofá e pensei. Depois, cutucando a orelha com uma caneta, pensei mais um pouco. E continuei a pensar nos dias seguintes. Por mais que me empenhasse, não consegui encontrar um argumento para contestar aquela senhora. Ela está certa, claro: o Brasil não é um lugar para quem não gosta do Brasil. Tão simples. Tão linear. Tenho de dar um jeito de me mandar daqui.

Cada um tem seu talento. O meu é ir embora do Brasil. Ninguém sabe ir embora do Brasil com mais engenho do que eu. É nisso que sou bom. E só nisso. Se ir embora do Brasil fosse pintura, eu seria Michelangelo. Se ir embora do Brasil fosse literatura, eu seria Flaubert. De uma hora para a outra, consigo largar tudo e partir. De maneira calma e ordenada. Com pouca bagagem. Minha turma é a dos retirantes. Daqueles que matam cadelas a pauladas. Tenho trinta anos de prática acumulada. Fui embora do Brasil num monte de oportunidades, por longos períodos. E sempre me dei bem. Porque eu sei o que esperar dos outros lugares. Quem parte pensando em encontrar lá fora algo muito melhor do que o Brasil se estrepa. Comigo isso nunca acontece. Vou embora do Brasil com o único propósito de ficar longe do Brasil. Qualquer lugar suficientemente distante daqui serve. Por pior que ele seja.

Um dos maiores atrativos de ir embora do Brasil é incomodar aqueles que ficam. Muita gente se sente pessoalmente ofendida quando alguém decide renunciar à nacionalidade. Eu sempre achei que nada podia ser mais nobre do que incomodar meus compatriotas. Mais nobre e mais gratificante. Estou mudando de idéia. Incomodei um bocado de gente no último ano. O resultado é que me encheram de processos. Todos aqueles mensaleiros que roubaram milhões e milhões conseguiram se safar. O único punido fui eu. Por acaso entrar pela garagem para fugir do oficial judiciário é nobre? É gratificante?

O ano que vem será um desastre para o Brasil. Golpismo de um lado. Golpismo do outro. Já comecei a preparar a retirada, estudando as rotas de fuga. Eu cumpri meu dever. Agora vou assistir à patetada de longe. De muito longe.

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